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O 'cilbir' e a exuberância da páprica

Thomas Pappon | 14:33, quinta-feira, 25 novembro 2010

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Uma leitora (agora ex-leitora, temo) reclamou da falta de fotos de pratos citados em posts anteriores, alegando ser inconcebível manter um blog de receitas sem mostrar imagens. Ela estaria certa se isso fosse um blog de receitas, mas não é – é um espaço para compartilhar experiências de exploração do universo foodie em Londres e na Europa.

Mas a leitora tem toda razão ao reforçar a inextrincabilidade da ligação entre comida e imagem. É possível descrever bem uma ceia de Natal apenas com palavras. Mas um texto muito bem escrito não bate uma boa foto.

E têm fotos que fazem você dizer: eu tenho que fazer (ou provar) isso. É o que essa foto ao lado fez comigo. Ela ilustra uma receita de cilbir, um prato turco, postada na internet por uma leitora do site de receitas .

catherines_cilbir300.jpg

Cheguei nesse site depois de ler sobre cilbir pela primeira vez no caderno de comida do Times, na semana passada. O cilbir consiste basicamente em ovos pochê servidos com iogurte temperado e cobertos com páprica.

Para mim, essa combinação foi uma revelação. No sábado, testei a receita da Catherine - que escolhi por causa da foto –, depois de passar por um certo sufoco, na sexta, para achar um ingrediente que nunca tinha experimentado, muito menos comprado na vida: páprica defumada, outra revelação.

Um parêntese sobre a páprica (que acabei achando numa loja de conveniência): o nome é um genérico para pimentas e pimentões secos moídos, um pó vermelho que varia no sabor e na intensidade do ardor que ela provoca.

No Brasil, que me lembre, a páprica era mais leve, e tenho certeza de que seu uso é bem mais restrito do que na Europa, onde ela é usada em guisados, sopas, estrogonofe, molhos, ou para dar cor a arroz, refogados e salsichas.

Nos Bálcãs e na Hungria, onde há um ditado que diz que páprica boa é aquela que arde duas vezes (é melhor eu não entrar em detalhes), ela é quase tão comum como sal e pimenta. Mas ela surgiu na Espanha, o país que trouxe o pimentão e a pimenta à Europa (em um próximo blog eu falo mais sobre isso). E foram os espanhóis que desenvolveram a páprica defumada, com o sabor bem distinto de coisa tratada com fumaça.

Mas voltando ao cilbir. Ele é servido na Turquia como um café da manhã reforçado - e com pimenta em flocos (a maravilhosa pimenta do tipo aleppo, mais detalhes em umpróximo blog) no lugar da páprica. Mas a páprica defumada, além do gosto distinto, dá ao prato (depois de misturada com manteiga derretida) uma cor exuberante. Fica parecendo um Pollock.

cath_cilbitr_open200.jpg

Aqui vai uma versão adaptada da receita da Catherine (eu não explico como se faz um ovo pochê, favor ver aqui)

Ingredientes (para uma pessoa):

Dois ovos (quanto mais rica a gema, como em ovo caipira, melhor)
Três colheres de sopa cheias de iogurte natural
Um dente de alho picado
Uma colher de chá cheia de páprica defumada
Uma colher de sopa cheia de manteiga
Endro fresco (também conhecido com aneto ou dill)
Pitada bem generosa de sal

1.Misturar o iogurte com o sal, o endro e o alho em uma tigela, espalhar o iogurte num prato
2.fazer dois ovos pochês, colocá-los sobre o iogurte
3.derreter a manteiga, misturar com a páprica, distribuir esse molho sobre os ovos
4.servir com baguete, pita, pãozinho, enfim, algum pão bom para absorver a mistura que sobrar no prato

A arte de indicar a mesa

Thomas Pappon | 15:13, quinta-feira, 11 novembro 2010

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Nesta semana, um dos restaurantes mais conhecidos de Londres está comemorando, em grande estilo, 20 anos. O assunto foi destaque nos cadernos especializados porque se trata do The Ivy, o restaurante das celebridades, o tipo de lugar que é muito mais famoso por ser famoso do que por causa da qualidade superior de sua cozinha.

E porque o restaurante resolveu celebrar a data com cinco apresentações, uma a cada noite, durante o jantar, de uma peça, Heavenly Ivy, escrita por Ronald Harwood, especialmente para a ocasião.

Dizer que a melhor chance de testemunhar o evento é trabalhando no The Ivy não é exagero algum. Por duas décadas, como diz o jornal The Independent, oIvy foi sinônimo de exclusividade. Jornalistas disseram no passado que é mais fácil ter acesso a Fort Knox, ao Arquivo do Vaticano ou às ‘calcinhas de Meg Ryan‘ do que conseguir entrar noThe Ivy.

Eu ouvir falar no restaurante pela primeira vez em revistas de música. Os irmãos Gallagher, doOasis, viviam por lá e vira-e-mexe davam algum vexame dentro ou na porta do The Ivy, localizado numa esquina discreta e escondida no meio de um triângulo imaginário ligando Covent Garden, Trafalgar Square e Tottenham Circus. É no coração do West End , a Teatrolândia londrina, o que explica a popularidade do restaurante junto à comunidade dos atores, produtores, diretores e agentes.

A fila de espera para conseguir uma reserva dura três meses – a não ser que se seja famoso. Entre os frequentadores, estiveram ou estão Madonna e Guy Ritchie, Brad Pitt e Angelina Jolie, Diana Ross, Mick Jagger e Jerry Hall, Kate Moss, Jack Nicholson, George Michael, Claudia Schiffer, Robbie Williams, enfim, um mundo de celebridades ‘A’.

Quero deixar claro que nunca fui ao Ivy - sim, é chato falar de lugares que a gente não conheceu pessoalmente – e que escrevo com informações colhidas dos jornais.

theivy.jpg

E pesquei boas histórias. O sucesso do Ivy, ou pelo menos a consagração como local preferido dos famosos, parece decorrer do talento que os donos, Jeremy King e Chris Corbin, tiveram na decoração do local – com pinturas especialmente encomendadas – e no seu talento em fazer os freqüentadores se sentirem ‘especiais’.

King e Corbin têm a manha de saudar pessoalmente as celebridades de mesa em mesa perguntando sobre seu novo filme, livro, peça, programa de TV ou divórcio.

E mais, eles têm um talento especial para a arte de indicar a mesa perfeita para cada cliente, a arte de saber que, nas palavras de um ex-funcionário ouvido pelo Independent, “se você recebe os chefões de duas agências de publicidade, você os coloca em lugares separados o suficiente para que possam falar sobre negócios sem que o rival possa ouvir, mas próximos o suficiente para que possam ver com quem o outro está jantando”.

“Eles sabem que um editor de política de um jornal jantando com um político quer uma mesa discreta, onde não seja ouvido nem visto. E que um ator de novela quer exatamente o oposto.”

Eles sabem também que há limites para a paparicação de famosos. Jennifer Lopez, por exemplo, acabou sendo barrada depois que seus assessores ligaram três vezes fazendo mudanças na sua reserva.

E a comida? As críticas em geral são bastante positivas. O cardápio é grande, as opções são diversificadas. Aqui eu prefiro citar a opinião da colega Mônica Vasconcelos, que disse ter comido ali uma fish pie (torta de peixe) “sensacional”.

A Mônica também reforçou um ponto que li numa crítica do food writer e cineasta Michael Winner, de que o restaurante faz as pessoas se sentirem bem, o que ele chama de “easy-going atmosphere” (“atmosfera tranqüila”), e que a Mônica chamou de ambiente “simples, sem exageros”.

O Ivan Lessa também esteve no Ivy e foi só elogios. Mas ele esteve ali nos anos 70, quando o Ivy era outra coisa.

Na verdade, o local descende de um café fundado ali em 1917, por um italiano que queria oferecer comida boa e barata para a turma do West End. Noel Coward e Marlene Dietrich comiam ali. E foi uma canção popular, entoada por uma atriz ao dono do local, que deu a ideia do nome (“nós todos viremos/vamos nos apegar como hera”). Ivy é o inglês para hera (a trepadeira).

Em 1990, quando foi comprado por King e Corbin, o local estava em franca decadência e passou pela reforma que deu no Ivy de hoje, nesse, que acaba de fazer 20 anos.

Às batatas

Thomas Pappon | 16:22, sexta-feira, 5 novembro 2010

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Nesta semana testemunhei no meu supermercado, o Sainsbury’s, o lançamento – mundial, pelo que entendi – de um novo tipo de batata: a purple majesty potato.

Trata-se de uma batata-roxa, desenvolvida pelo maior produtor e distribuidor de batatas do país, a Albert Bartlett, que garante que o tubérculo não é transgênico, mas, sim, o resultado de cruzamentos de tipos de batata vermelha e roxa já existentes.

Um dos pontos de venda da batata é que ela contém níveis altos do antioxidante antocianina, o mesmo flavonoide que transformou a blueberry - fruta silvestre conhecida no Brasil (ou não) como mirtilo – em uma coqueluche entre os "superalimentos", devido a suas supostas propriedades antiinflamatórias e anti-cancerígenas.

Eu comprei um saco das batatas, que preparei para um jantar: bisteca de porco grelhada com purê de batatas, couve-de-bruxelas e molho.

O purê era de um roxo escuro denso que eu nunca tinha visto num prato de comida. O gosto era de batata, mas uma batata diferente, com leve gosto de terra.

Uma colega aqui da 鶹Լ Brasil, a Iracema, disse que viu purês como esse no Brasil, dabatata-doce roxa. Mas a purple majesty não é doce e seu aspecto é diferente, bem mais de batata normal do que de batata-doce, alongada.batatas.jpg

Portanto, caros leitores, posso me gabar de ter sido, com grande probabilidade, o primeiro brasileiro a comprar, cozinhar, provar e escrever um blog sobre a purple majesty ( e, em breve, serei o primeiro brasileiro a fazer uma fish pie – torta de peixe -, com o purê que sobrou).

Minha intenção nesse blog era aproveitar a purple majesty para falar das variedades de batatas encontradas aqui na Europa e mostrar que o tubérculo tem uma importância e um peso bem maiores na culinária local do que no Brasil, talvez por causa da onipresença, ali, do arroz.

Mas como isso é bem manjado, prefiro compartilhar com vocês 14 fatos sensacionais que descobri sobre batatas:

1. As batatas surgiram nos Andes, onde vinham sendo cultivadas há milhares de anos. Há divergências, no entanto, sobre o local exato. A Wikipedia diz que exames de DNA constataram que 99% das batatas no mundo descendem de uma espécie cultivada há 10 mil anos em uma ilha na costa do Chile. Outras fontes dizem que as primeiras batatas vieram do centro-sul do Peru.

2. A primeira venda documentada na Europa de uma batata foi em um hospital em Sevilha, Espanha, em 1573.

3. A batata é hoje alimento básico de dois terços da população mundial.

4. A Grande Fome na Irlanda de 1846 veio em decorrência de um fungo que destruiu as plantações de batatas por dois anos seguidos.

5. A batata frita (conhecida no mundo anglófono como french fries) foi introduzida nos Estados Unidos em um jantar oferecido na Casa Branca por Thomas Jefferson (que viria a ser o segundo presidente do país), na volta de uma visita à Europa.

6. Existem 4,2 mil variedades diferentes em 101 países, segundo o World Catalogue of Potato Varieties de 2007. O Centro Internacional de Batatas, em Lima, no Peru, diz que só na América Latina existem 3.527 variedades.

7. Há uma teoria de que a batata chegou à Irlanda literalmente pelo mar – boiando dos destroços da Armada Espanhola derrotada pelos ingleses em 1588. Aldeões na costa coletaram as batatas e passaram a plantá-las.

8. A história e a genética sugerem que a batata chegou à Índia - não muito mais tarde de chegar à Europa – através dos portugueses.

9. O maior consumidor per capita do mundo é a ex-república soviética Belarus, onde se consome, em média, 338 kg de batata per capita ao ano (dá quase um quilo por dia!).

10. O recorde de descascamento de batata pertence a cinco mulheres, que em 1992 descascaram 482 kg de batata em 45 minutos usando apenas facas comuns de cozinha.

11. Existe uma receita para vinho de batata. Entre os ingredientes, estão 1,5 kg de batata , 2 kg de açúcar , 2 kg de uva-passa e dois limões (taí uma missão para o meu destemido colega Pablo Uchoa, o fermentador).

12. O maior produtor mundial é a China, que aumentou o cultivo em 30% nos últimos cinco anos.

13. A maior batata-chip do mundo foi produzida pela Pringle’s em Jackson, no Tennessee, em 1990. Ela media 58 cm x 35 cm, mais ou menos do tamanho de uma folha de jornal.

e, finalmente...

14. O famoso grupo de rock progressivo Jethro Tull tirou seu nome de um ilustre pioneiro inglês da agricultura moderna que viveu no início do século 18 e revolucionou as técnicas de cultivo – em particular, a de batatas.

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