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Retribuição de grego

Rogério Simões | 2010-05-06, 13:12

greciablog.jpgNão se trata exatamente de um presente. Melhor chamar de retribuição de grego. Afinal, o quadro de dívida pública fora do controle e trabalhadores tomando as ruas, num país "à beira do abismo", como disse seu presidente, é ainda uma consequência direta dos exuberantes anos de dinheiro fácil das décadas de 90 e 2000. Como o Primeiro Mundo finalmente descobriu, durante o auge da crise de crédito em 2008, dinheiro não cai do céu. A Grécia agora sabe disso muito bem. A atual crise grega é prova de que a onda do crédito solto, que seduziu bancos e cidadãos por tantos anos, também viciou Estados nacionais.

O Estado grego foi mal acostumado nas duas últimas décadas, gastando muito mais do que arrecadava, fazendo dívidas e mais dívidas, lembrando inclusive o Brasil dos anos 70. Os militares brasileiros endividaram o país para fazer a ponte Rio-Niterói, o metrô do Rio e de São Paulo etc e, quando o preço do petróleo disparou, foram pegos de calças curtas. Já a elite política grega aumentou os salários do funcionalismo, construiu e, logicamente, produziu os caríssimos Jogos Olímpicos de 2004. É verdade que o governo grego é acusado de, por muitos anos, ter falsificado dados econômicos para esconder o tamanho do buraco econômico que cavou para si mesmo. Mas o país foi vítima do mito do dinheiro fácil. Da mesma forma como se endividar para viver numa casa maior tornou-se símbolo de status nos Estados Unidos e aqui na Grã-Bretanha, ter a mesma moeda que Alemanha e França e gastar até mais do que essas potências europeias virou sinônimo de uma Grécia forte.

No entanto, provada a fraqueza do Estado grego, vem a retribuição, para todos aqueles que compactuaram com a gastança desmedida, Estados, mercados e o impotente cidadão. A União Europeia percebeu que não deveria ter permitido que a Grécia adotasse sua moeda, pois o país, estando no buraco, pode acabar levando junto todo o bloco. Portugal e Espanha temem que, exposto o problema grego, suas fragilidades sejam exploradas por agências de risco e bancos privados. Os bancos, por sua vez, credores de boa parte das dívidas desses preocupantes países, temem não ver seu dinheiro de volta. Se a Grécia for "à falência", ou seja, declarar moratória, uma reação em cadeia pode acabar com a confiança que ainda resta entre instituições financeiras e nações endividadas.

O cidadão grego que viveu os bons tempos sem saber da irresponsabilidade de quem mandava no país agora enfrenta a polícia nas ruas, em confrontos que já deixaram três mortos. Ele sabe que seus ganhos serão reduzidos drasticamente, enquanto os impostos irão às alturas. Até maiores economias fora da zona do euro, como a Grã-Bretanha, temem pelo efeito dominó da crise grega. As bolsas no mundo todo despencam, inclusive a Bovespa. A exuberância irracional dos mercados financeiros, que por 20 anos fizeram a mágica da multiplicação dos dólares, euros e libras, atraiu e viciou a Grécia. A terra de Sócrates, Péricles e Platão agora retribui com uma crise gigantesca, que distribui ameaças para todos os lados.

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